terça-feira, fevereiro 27, 2007

um carnaval

Parte 1 - como reconhecer um paulista no Rio

A idéia era sair meia-noite, dormir no ônibus e chegar de manhã cedo, mas no meio do caminho tinha um bar, alguns bons amigos, cerveja malvada, e enfim, dormi três horas, levanto às cinco, pegando o ônibus às seis e pouco e lá pela uma da tarde estou na rodoviária tentando achar minha base paulista no Rio. que gracinha! eles estão na praia! Ipanema, tomando um sol.
como meus amigos estavam no mel da praia, eu é que tive que encontrá-los, e ainda a partir dos meus trajes formais de paulista: tênis, calça de sarja, uma camiseta regata debaixo de uma camiseta branca comum e uma mochila cheia nas costas. e foi assim, desse jeito, nesse estado, que mordi a língua sobre o jeito ridículo dos gringos irem a praia, e, branquelo e suado, me dirijo ao coqueirão do posto nove, talvez o único ser humano visto de calça em Ipanema desde que o Dom João VI fugiu pro Brasil. fui ao encontro da carioca e o barbudão acompanhado do careca.
cinco minutos pra eu largar minha - a partir de agora inseparável - silhueta de gringo, e por instantes de cueca coloco uma bermuda e me recolho na escura segurança da sombra do guarda-sol, popularmente chamado de 'barraca'.
se pra um carioca guarda-sol é 'barraca', provavelmente um barraca eles devem chamar de 'casa'. vai nessa: "alugo casa, três lugares, no leblon" e cai no conto do camping da pracinha...

mas no fundo é fácil distinguir um paulista de um gringo no calçadão do Rio. enquanto os paulistas tentam parecer cariocas (não no nosso caso que ainda não temos pêlos no peito suficiente pra podermos raspá-los) tentando um bronzeado e um jeitão descontraído numa bermuda de surf, os gringos investem mais pesado e tentam, de uma forma confesso até constrangedora, se parecer 'brasileiro'.
eu não sei o que eles entendem por brasileiro, mas nem todo mundo aqui de fato usa havaianas. existe toda uma gama de genéricos de havaianas, raiders quase obsoletos, e boa parte do povão no Rio anda sim, descalço, principalmente vendedores ambulantes.
os gringos se bezuntam em protetor solar, sambam que nem boneco de olinda e ainda pegam umas mulatas criaturas crente que estão por cima da fina flor da brasilidade. gringos costumam socar, machucar e afligir pandeiros, com golpes jurássicos numa tentativa pra lá de tosca de tentar uma intimidade.

a noite teve um bloco que 'concentra mas não sai', teve muita cerveja pra esquecer o outro bloco principal que deveríamos ter ido, e uma pracinha de bairro com marchinas de carnaval. a partir daí, dá pra começar a entender a diferença da Paulicéia-dos-lugares-fechados e o Rio-dos-lugares-abertos.

Parte 2 - como mostrar aos cariocas que a pegada é bruta

minha formação meio-católica meio-pepperoni nunca foi tão forte pra eu desejar casar na Igreja. mas confesso que sempre tive vontade de me vestir de noiva, com véu e tudo. nossas fantasias - realizadas - de noivas, com direito a buquê, fez um sucesso do metrô ao bola preta. além de provocações, poses pra fotos estrangeiras e apertos no bumbum, nosso 'bloco paulista da madeira pesada' foi uma sensação no carnaval. travestis, gringos, funcionários do metrô e até policiais foram aliciados na malícia pejorativa-permissiva do carnaval.
num calor absurdo que evapora o álcool do teu corpo numa velocidade que impõe uma relação de equivalência cerveja-água, fomos parar num almoço meia-boca na Lapa, e por sorte Dionisíaca (amém!), saía ali um dos melhores blocos desse carnaval, dada as músicas e o tamanho do público.

teve um bloco que eu encontrei um cara de pandeiro e comecei a tocar com ele qualquer coisa, e e àquela altura estava tão à vontade no Rio que passeava no bloco de cueca. a gente tinha uma pinga mineira da boa, e quando me encontrei sem querer com o cara do pandeiro (não existem nomes no Carnaval) ele me chamou de "aquele paulista-sinistro", com o típico "s" com som "x" carioca. eu aceitei os "xinistro" e ofereci a pinga, que de tão forte, disse que havia gasolina misturada, logo depois que ele tinha dado um gole. o cara arregalou o olho e deu passo pra trás me perguntando: "você tá de sacanagem né?"
"só um dedo de gasolina pra dar um grauzinho..." respondi.

uma vez no metrô, pegamos um horário bem família pra irmos pra um bloco, e num vagão repleto, havia uma Geni (obrigado, caprichei na maquiagem), uma mulher dos anos setenta barbuda e uma carioca vestida de menino. a provocação começou por parte deles, um grupo de caras rindo das 'mulheres feias'. terminou com a gente levando a sério o papel (esse é um dado importante, como as pessoas assumem seus personagens travestidos nos blocos de rua) e quase sentando no colo de um pobre coitado que ficou isolado dos amigos, com as pessoas do vagão rindo impressionados, e com aplausos unânimes quando saímos na nossa parada. acho que nem quando eu cantava num coral beneficiente eu recebi aplausos tão sinceros.

o que me fascina no Rio é sua complexa relação província-metrópole, como se bolsões de características interioranas sobrevivessem agrupadas num todo que ganha uma face urbana-cidade-grande. LApa, Santa Teresa, parecem que vivem num ritmo próprio, interligada com a loucura ao redor, mas não necessariamente vinculada ou dependente.
é quase uma cidade esquizofrênica. tão grande e tão pequena que até encontramos alguns outros paulistas conhecidos pulando por lá.

PArte 3 - como fazer um pedido a um garçom carioca

tome nota: leve um estilingue e umas palavras cruzadas. mire na cabeça e depois fique esperando um tempo, se distraia, e quando hegar nem tente reclamar que "era light" ou "eu disse frango não sopa" que até ele voltar você já comeu sua própria mão.
morteiros são opcionais.

não sei se é bom ou ruim, mas o carioca não é muito vidrado em ganhar dinheiro. não é qualquer taxi que sobe Santa Teresa, as lanchonetes da rodoviária nem aceitam cartão, e acreditem, uma mulher de um caixa de um supermercado em bairro nobre, passou a tarefa dela de dividir o valor pra dois cartões, logo pra mim, o cliente. o barbudo e seus cálculos mentais salvaram ela. em são paulo é rua na hora e se bobear dá cadeia pra coitada.
-- sessenta e cinco e trinta e quatro.
-- cobra metade nesse cartão e metade no outro.
-- ah! tô cansada. divide aí vocês. (cruzando os braços)
-- moça, já pensou em usar essa maquininha? (apontei pra calculadora que tem no balcão)
-- tá quebrada.

é vero...

o Rio é muito moderno, é um auto-atendimento generalizado: eu compro, eu pago, eu faço as contas pra dividir o valor...tipo a Holanda, só que com um poquinho mais de prostitutas e travestis.

PArte 4 - o que fazem dez milhões de paulistanos parados no trânsito??

no Rio, se você vai comprar um pipoca, se depara com um cartão postal.
se se perde num canto, cai num samba.
se tá cansado, senta numa praça.
do nada uma pedrona, uma trilha, sagüis e uma algum edifício da história nacional.
ah... cidades turísticas... uma árvore a cada três metros, e aquela bizonha impressão que todos seus habitantes tem o mesmo acesso a seus bens naturais-culturais...

tá certo que às vezes dá impressão que só o Centro e a Zona Sul são interessantes, e dadas as proporções destes bairros, o Rio fica bem pequeno.
tá certo que ser branco-fps-trinta declara publicamente que você é de fora, e te faz correr todos os riscos adjascentes.
tá certo que o futebol carioca é medonho beirando o deprimente.
tá certo também que carioca não dá muito bola pra paulista.
tá certo que café no Rio é uma espécie de água amarronzada (sem contar a idéia equivocada deles sobre pizza).

mas se tem uma coisa que não está certo é achar que a vida se resume a viver num treco de concreto superhabitado, cara e quente, com uma pressa neurótica e sem sentido. sem contar o orgulho paulista de ficar trabalhando o dia inteiro. eu hein...

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

ovo cozido

coloca-se o ovo (de galinha) numa panela cheia d'água.
até a água começar a fever vai uns cinco minutos. deixe borbulhar. daí leva mais quase dez minutos pro ovo ficar inteiramente cozido. isso se você gosta da gema consistente, sólida. se preferir a gema melequenta, tira com uns cinco minutos depois que ferver.
o ovo vai estar muito quente pra comer. deixe esfriar uns três minutos e comece a retirar a casca, que como estará grudada no ovo, levará pelo menos uns dois minutos pra tirar toda se você não tem prática.
pronto. pode comer.

em geral leva quase vinte minutos o processo completo de cozir e comer o ovo.
quem, nos dias neuróticos de hoje perde vinte minutos pra comer um ovo cozido?
o custo-benefício em relação ao tempo não compensa.
em vinte minutos dá pra fazer dez pipocas de microondas.
em vinte minutos dá pra fazer uns seis miojos.
e se tua pizzaria for perto dá pra chegar uma muzzarela.

não se come ovo cozido na pós-modernidade.
o ovo cozido é o símbolo da vida tranquila, sem neuroses com o relógio.
não se 'perde' vinte minutos. o tempo é abstrato demais pra possuirmos pra podermos perdê-lo.
viva o ovo cozido.
viva a vida no campo.
viva o sapo, o grilo e a malária.
viva.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

acabou o assunto.
conversa de elevador e a velha a fiar.

no mais, continua tudo marromeno.
vou aproveitar que meu talento tirou férias
e vou atrás dele; quando raptá-lo e guardá-lo no bolso (daqueles com zíper pra não escapulir) eu volto.

adianto o que provavelmente seria as próximas quinze pseudo-crônicas:
eu sou um vagabundo, eu gosto do zé carioca, trabalhar é uma merda.

um bocejo

PS: agora todo mundo quer ser bipolar. se você é uma pessoa visivelmente desequilibrada com tendências frenéticas-empolgantes sucetíveis ao repentino suicídio, então você é cult.
você não é um fracassado porque seu emprego é muito do meia-boca, e todo mundo já tinha pegado sua mina. na verdade você tem um distúrbio psicológico que só pessoas muito inteligentes e sensíveis têm. a mudança drástica de humor não te deixa fazer nada direito. não é culpa sua...

-- olha mamãe, eu sou bipolar!
:)
:(

já vi gente inventar desculpa pra ser vagabundo, mas cada dia eu me surpreendo mais.