sábado, março 31, 2007

cinco cachorros correndo em círculo

aquela quentura por dentro, saliva seca, uma preguiça que se mistura com uma mal-estar num quarto quente e abafado. eu sinto o álcool rondando no sangue, circulando pela cabeça, mal-tratando meu fígado. eu suo álcool. do tipo, se alguém fumar perto de mim eu explodo. bum!

levanto, olho meu pé esquerdo, e penso, porque será que ele, só ele, o esquerdo, tá tão imundo?
por onde eu andei, atolei, me eslamacei? e o direito limpinho, aonde estava a essa hora?

de manhã tinha carne moída. a mais gostosa que eu já comi na minha vida.
eram seis e qualquer coisa.
nem percebi o velho se aproximar. cabelos ralos e grisalhos, e um nariz igual ao meu. camisa azul abotoada e pra dentro da sua calça jeans. sapato. limpo e apressado. pergunta aflingindo questionando condenando ou quem sabe até ironizando 'isso são horas de chegar?', e o tico, abandonado pelo teco, ainda conseguiu fazer a sinapse necessária, da conecção química neural-neurônica, e responder sem defasagem de tempo, ' e isso são horas de sair?'.
não se faz mais bom humor matinal como os de antigamente. não se faz reunião sábado de manhã. só com o travesseiro, cama e edredon, discutindo a pauta 'por hoje morri'.

alguém me liga. definitivamente não escuto tocar. não escuto nada. nem a música lá fora, nem os passos pesados do quarto ao lado, nem meus pensamentos.

doer, doer, não dói. sinto só um calor por dentro, quente, e um suor etílico.

não lembro da música, nem da última conversa. com certeza não lembro o nome. perguntei duas vezes a mesma coisa. sempre faço isso. esqueci. só lembro do que me interessa. depois que consegui, saí e deixei lá. os melhores momentos se dão lá fora. quando não dá pra fazer mais nada e se pode tudo.

cinco cachorros correndo em círculo. obina é melhor que o pelé. thiaguinho é melhor que o eto'o.
minha vida minha história meu amor.
claro que não ia dar certo. não podia jamais. era um sinal.
a lenda abençoou, pedi a benção.
o sábio aconselhou, pedi conselho.
só não ajoelho porque não levo jeito pra tietagem.

alguém falou em espanhol comigo e eu só concordei com a cabeça.

carne moída pão pai cama cerveja nêga amigos telefone música carona sujeira pé esquerdo suor

quinta-feira, março 29, 2007

cappuccino, urubus e gol mil.

é fato que quando se estuda Publicidade você acaba desenvolvendo um "olhar" diferente pra avaliar um anúncio. até sua postura passiva muda pra um olhar ativo buscando entender conceitos, técnicas e qualquer outra coisa que você possa incorporar num próximo anúncio seu. quero dizer que quando a coca-cola faz um anúncio, eu sou mais influenciado pela tipografia e linguagem usada do que pelas gotículas sensualmente refrescantes que cobrem a garrafa.
mas como tudo na vida, existem exceções, claro. eu que só bebo café quando estou morimbundo e precisando urgentemente ficar acordado ou quando faço um charminho tomando um cappuccino depois de um PF aqui perto, fiquei realmene sensibilizado em adquirir a Cafeteira Espresso Digital Dolce Aroma, "a melhor desculpa para ficar até tarde no escritório". Tá certo que custa seus R$2,639 (o que inviabilizaria meu sonho de lambreta, de Machu Piccu, e de umas reformas no telhado que está precisando) mas peraí, aqui diz que "guarda na memória o jeito exato como você prefere seu café espresso". eu sou fascinado por tecnologias que remetem à coisas tradicionais. não é uma máquina que inventou um café com chá verde ou água gaseificada sabor limão acompanhando as última tendências. estamos falando do velho cappuccino, mas numa máquina di-gi-tal, que guarda coisas na memória. imagina se tocasse mp3 durante o processo! adoro as coisas antigas: cafeteira, vitrola, baú, meu pai...

***
a natureza é bem coerente: deitado na cama, levo em torno de uma meia hora perdido em pensamentos pra conseguir dormir. quando eu acordo (que coisa!) não é que eu também levo uma meia hora pra levantar?? (depois de uma relação dialética com o despertador, numa negociação duríssma de adiamento).

***

O Romário, como todo bom jogador craque e reconhecido pela mídia, tem o hábito de ser vaidoso e arrogante em determinados momentos, de se meter em escândalos, de falar qualquer bobagem digna de jogador de futebol, e entreter a gente com comentários do tipo "o gol mil vai ser bom pra sociedade. ela tá precisando. a violência, a corrupção deixam as pessoas muito tristes. o gol mil vai vir numa boa hora". foi mais ou menos assim. mas para leigos jogadores de vôlei e video-game, explico que o futebol e todo o seu universo espetaculoso-fabuloso, possui sua própria linguagem, regras e valores. bobagens de jogador de futebol num país com tanto político borra-linguiça, não significa nada. o gol mil do Romário não vai aliviar as tensões sociais, os conflitos, e o medo institucional das cidades grandes. mas vai representar o triunfo do bom futebol, do futebol brasileiro, maroto, malandro, esperto, caprichado. não importa quantos gols ele fez no amador, num society ou num time da arábia qualquer. importa que ele é craque, e de uma safra raríssima. quem teve o Parreira como técnico numa seleção que tinha Dunga de capitão, Zinho no meio (!) e Viola no banco e faz o gol da vitória contra a Suécia de cabeça, numa zaga nórdica que dobrava ele em altura, só pode ser um jogador matador. inesquecível.
enfim, Romário é um deliquente-desbocado. e daí? ele é craque, estilo MAradona, e um símbolo do meu universo futebolístico infantil. por isso que quando se der o gol mil eu vou pra galera. vou comemorar o título de "últimos craques vivos" e não vou querer que o dia acabe.
tenho uma tese que não haverá mais gols mils. olha essa última Copa que ridícula.
o futebol míope europeu é um atentado aos bons costumes boleiros. qualquer beck-de-esquina é craque lá, qualquer técnico opta por um 5-3-2, recuado, procurando primeiramente conservar o empate. e o Brasil, na sua condição de eterna-colônia, acha fantástico copiar europeu. nas cafeteiras de cappuccino até vai, mas não naquele futebol tosco. o gol mil do Romário é uma homenagem ao bom gosto, é símbolo de uma era que acaba, o fim do homem de área ágil e habilidoso, é o fim dos 'baixinhos'.
o gol mil vem coroar uma espécie em extinção.
no mil do Romário o dia não vai acabar.

domingo, março 25, 2007

aforismos

pulsando, seguindo o som do tantã - um surdo ansioso -, eu tenho dito:
sapeca nêga. sapeca até doer nas ancas, como dizia minha vó.
sapeca sem pensar em mais nada e conduz nosso cordão do irreparável, do improvável jeito já previsível, mas sempre excitante da possibilidade, apenas da chance de tocá-la, lá bem alto, e colocá-la no bolso e sair correndo.
o problema é o pouco que já alegra. pouco e barato, que nem os almoços do meu pai.
não dá nem tempo de ficar triste. quando eu vi, já tô no meio da pavunça.
glacê é bom mas não enche a pança, já dizia aquele ditado carioca.
a gente fica lambendo a tigela do bolo de chocolate, e esquece do arroz com feijão. depois dá gastrite, asia e até diabete. se eu tivesse uma Tia Bete com diabete seria um eterno trocadilho redundante. eu ia enlouquecer a velha. mas quem sabe avisa: almoça menino, saco vazio não pára em pé. é verdade, não pára em pé. a gente cai mas levanta depois, na dialética do joão-bobo. glacê, glacê, glacê. às vezes enjôa. mas demora...
comigo é assim, o Paulinho falou tá falado: "que tal felicidade, sempre tão fulgaz, a gente tem que conquistar". o problema é quando a gente confunde felicidade com estar contente o tempo inteiro. aí dá no que dá. o bloco 'dos que não aconteceram' engrossa suas fileiras; basicamente defasados em relação ao bloco 'do não pergunte minha opinião, eu apenos sigo', que já dobra a esquina lá na frente, num carro zerinho, da hora. o momento agora é de plantar, depois a gente colhe, com calma. essa história de querer colher antes de plantar está tornando meus domingos impossíveis de qualquer tipo de aproveitamento físico-intelectual.
fui mirim: joguei biribinha na largada achando que estava só me aquecendo. quando vi explodi ela! pois se "não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar", a gente vai indo, indo e quando vê, já foi. seguindo essa linha de raciocínio, que a grosso modo quer dizer, "enfim, a culpa não é minha", tem uma poetisa, da pegada, que diz: "a vida é que nos tem: nada mais temos".
ou seja, essa experiência momentânea, imediata de submersão sígnica de fenômenos que nos envolvem e atingem, na produção racional-emocional de uma compostura de ser e estar, na realização da consciência humana em sua plena condição efêmera e mortal que entendemos como vida, é muito mais abrangente de possiblidades que nossa percepção objetiva, ingênua em sua megalomania, postulando assim, a essência de viver, que é se entregar na sua impossibilidade de equacionar, possuir ou delimitar o que virá, e sendo assim, apenas como espectadores ativos e agentes do agora, de um mundo de possibilidades que podemos ou não obter, dependendo de quanto estamos nos poupando, sabe-se lá pra quê. mas, o tentar já é incrivelmente divertido, seja lá o que for que estamos tentando.
e assim, precisando de apenas um mês na esbórnia pra jogar no lixo as resoluções do ano inteiro, ampliando verticalmente a capacidade de fazer as coisas equivocadamente num tempo excessivo, a gente vai enrolando.
sapeca nêga, sapeca que o carnaval só acaba quando Paulinho mandar.